HERESIAS APÓCRIFAS - CURSO BÍBLICO (LIÇÃO 4)

POR RODRIGO HENRIQUE


Na Lição anterior estudamos acerca do cânon do Antigo Testamento e vimos que, após a morte do profeta Malaquias, iniciou-se um período de silêncio profético também chamado de período interbíblico. Foi exatamente neste período que os livros apócrifos foram escritos, mas o que significa o termo "apócrifo"? Por que são chamados assim? Que heresias trazem estes livros? Bem, a resposta à essas perguntas é o propósito da Lição de hoje.

Caso não tenha lido a Lição anterior, clique aqui, pois seu conteúdo é indispensável para o entendimento desta.


INTRODUÇÃO

É sabido que a Bíblia Católica possui 73 livros e alguns acréscimos ao profeta Daniel e Ester, mas por quê? Ora, já vimos que isto se deve ao fato de que versão Católica adicionou em seu cânone alguns dos livros apócrifos (bem como os referidos acréscimos) que não constam no cânon Hebraico. Assim, os católicos chamam de deuterocanônicos os livros que os protestantes chamam de apócrifos. 

Deuterocanônico significa "segundo cânon". Termo este que passou a ser empregado após o movimento de contrarreforma, que acarretou o reconhecimento dos livros apócrifos no Concílio de Trento. Por sua vez, "apócrifo" significa "escondido", "oculto". Como já destacado, estes livros foram escritos num período de cessão profética e jamais foram reconhecidos pelos judeus e nunca foram citados por Jesus.

Não há, neles, qualquer autoridade espiritual. Jerônimo os traduziu para a Vulgata tão somente porque isto lhe fora ordenado, no entanto, recomendava que estes livros não fossem tidos como fonte de base doutrinária. Não obstante, os apócrifos "apresentam erros históricos e geográficos, bem como anacronismos, além de ensinarem doutrinas falsas e práticas divergentes das Escrituras inspiradas, a exemplo da oração pelos mortos".¹ Vejamos, pois, algumas das heresias contidas nestes livros.


HERESIAS APÓCRIFAS

Antes de destacarmos algumas das heresias propriamente ditas, convém citar, novamente, o livro de I Macabeus, que diz que a "opressão que caiu sobre Israel foi tal, que não houve igual desde a época em que tinham desaparecido os profetas" (cap. 9 verso 27). Ou seja, o próprio autor do livro está ressaltando o fato de que os profetas tinham desaparecido, como, então, seu livro poderia ser autêntico se não havia revelação no período em que estava escrevendo?

Este fato deixa claro que o escritor não possuía nenhuma expectativa de que seu livro fosse contado como Escritura. Além disso, tudo fica ainda mais evidente quando diz que "aqui ponho fim à minha narrativa. Se o fiz bem, de maneira conveniente a uma composição escrita, era isso que eu queria; se fracamente e de modo medíocre, é o que consegui fazer” - II Macabeus 15.37,38

Ora, você consegue conciliar isso com os escritos dos apóstolos Pedro e Paulo, que afirmaram que a Escritura não é produto de homens, mas fruto de inspiração divina? É impossível dizer que tais livros tenham sido inspirados por Deus. Um texto em que o autor diz se expressar  "fracamente e de modo medíocre", sendo tudo o "o que consegui fazer” não é digno de ser chamado Palavra de Deus.

Segue nesta mesma linha o livro de Eclesiástico, que não deve ser confundido com o livro de Eclesiastes. Em seu prólogo, o escritor exorta seus leitores a lerem "este livro com benevolência e atenção muito particular, e a perdoar-nos, não obstante todo o nosso trabalho, quando, embora querendo dar uma imagem exata da sabedoria, não encontramos, entretanto, os termos desejados para expressá-la" - Prólogo de Eclesiástico

Atente-se para o que está sendo dito; em linguagem atual seria como dizer "desculpa aí por nem sempre conseguirmos expressar a sabedoria de Deus corretamente". Ora, não há por parte do escritor, portanto, qualquer pretensão de que seu livro seja tido como parte do cânon. Ao que parece, como consta ainda em seu prólogo, a intenção do autor é escrever algo como um comentário bíblico.

Yago Martins evidencia, neste sentido, que os próprios apócrifos se colocam como livros inferiores. Como possíveis falhas e meros comentários sobre o Antigo Testamento, mas não como parte dele.² 


O Anjo Mentiroso:

Já o livro de Tobias, por exemplo, narra uma história na qual um anjo lhe conta uma mentira:  

"Disse então Tobite: Meu filho Tobias quer viajar para a Média; podereis partir com ele e guiá-lo? Pagar-te-ei o teu salário, irmão. Então respondeu-lhe o anjo Rafael: Posso acompanhá-lo; conheço todas as estradas; (...) E Tobite interrogou-o: Irmão, de que família e de que tribo és? (...) Respondeu-lhe, então, o anjo Rafael: Para que não te ponhas em cuidados, eu sou Azarias, filho do grande Ananias. E Tobite respondeu-lhe: Tu és de uma ilustre família, sê bem-vindo, irmão. Mas peço-te que não te ofendas por eu desejar conhecer a tua geração” - Tobias 5.10-14

Ora, desta maneira nos questionamos como alguém pode aceitar que um livro no qual um anjo está mentindo, pecando contra Deus, possa ser considerado como parte da Escritura.


O Anjo que Ensina Magia, Feitiçaria, e Salvação Pelas Obras:

Não bastasse isso, o dito anjo Rafael, que é tido como um dos sete anjos que têm lugar diante da majestade do Senhor (Tob 12.15), ensina a Tobias, filho de Tobite, a fazer magias e poções com as partes de um peixe que ele havia apanhado. Vejamos: 

"Disse então o anjo ao jovem: Abre-o e tira-lhe o fel, o coração e o fígado e guarda-os contigo (...). Com efeito, o fel, o coração e o fígado desse peixe servem de ótimo remédio. Então, Tobias perguntou ao anjo: Irmão Azarias, que poder medicinal há no coração, no fígado e no fel do peixe? Ao que ele respondeu e disse: O coração e o fígado queimados sobre as brasas afugentarão com o seu fumo toda espécie de maus espíritos ou demônios de um homem ou mulher. Desaparecerão definitivamente, sem deixar nenhum rastro. Quanto ao fel, serve para ungir quem sofra de cataratas, pois com ele ficará curado" - Tobias 6.4-9

Tal ritual se distingue de tudo o que há em todo o Antigo e Novo Testamentos. Surpreende que alguém diga que o livro de Tobias seja divinamente inspirado; mas isto não é tudo, ainda em Tobias a prática de dar esmolas é apresentada como um meio de salvação mediante as obras quando diz que "dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro; porque a esmola livra da morte, e limpa de todo pecado, e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna” - Tobias 12.8,9


Oração Feita Pelos Mortos (Em Ambos os Sentidos):

"E tendo feito uma coleta, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém, para serem oferecidas em sacrifícios pelos pecados dos mortos, sentindo bem e religiosamente a ressurreição, (porque, se ele não esperasse que os que tinham sido mortos, haviam um dia de ressuscitar, teria por uma coisa supérflua e vã orar pelos defuntos); e porque ele considerava que aos que tinham falecido na piedade estavam reservados para uma grandíssima misericórdia. É, pois, um santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados e faltas" - II Macabeus 12.43-46

Conforme o texto apócrifo, deve-se orar em favor dos mortos. Outro livro, o de Baruque, vai além e ensina que os próprios mortos também estão fazendo orações; o que fundamenta a doutrina católica da intercessão dos santos: "Senhor todo-poderoso, Deus de Israel, escutai a prece dos mortos de Israel, dos filhos daqueles que pecaram contra vós, que não atenderam à voz do Senhor, seu Deus, e por isso foram levados à desgraça" - Baruque 3.4

Essas práticas estão em total contradição com a Escritura e devem, assim, ser rejeitadas. 


Maldade e Violência:

Eclesiástico ensina a não fazermos o bem: "Dá ao homem bom, não ampares o pecador, pois Deus dará ao mau e ao pecador o que merecem; ele os guarda para o dia em que os castigará. Dá àquele que é bom, e não auxilies o pecador. Faze o bem ao homem humilde, e nada dês ao ímpio; impede que se lhe dê pão, para não suceder que ele se torne mais poderoso do que tu. Pois acharás um duplo mal em todo o bem que lhe fizeres, porque o próprio Altíssimo abomina os pecadores, e exerce vingança sobre os ímpios" (12.4-7).

Eclesiástico também ensina a maltratar os escravos: "Não te envergonhes de não fazer diferença na venda e com os mercadores, de corrigir frequentemente os teus filhos, de golpear até sangrar as costas de um escravo ruim" (42.5). Só não cometa algum exagero, hein!? Golpeie as costas até sangrar, mas não exagere rs

Estes ensinos estão totalmente na contramão do que nos declara a Escritura. Paulo nos ensina, por exemplo, a não pagar o mal com o mal, mas com o bem: "A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas perante todos os homens (...). Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" - Romanos 12.20,21


Pré-Existência da Alma

No livro de Sabedoria encontramos a seguinte afirmação: "Eu era um menino vigoroso, dotado de uma alma excelente, ou antes, como era bom, eu vim a um corpo intacto" (8.19,20). Esse tipo de afirmação é tão estranho à realidade bíblica que é até espantoso que alguém acredite que elas sejam inspiradas pelo pelo Espírito Santo. 


CONCLUSÃO

Quando nos referimos aos livros apócrifos, portanto, estamos nos referindo a estes livros espúrios e falsificados que justificam a fraude e colocam a salvação do homem como o resultado de uma conduta meritória, através das obras.

Mais uma vez destacamos que os apócrifos NUNCA FIZERAM PARTE DO CÂNON HEBRAICO. Tais livros foram escritos durante o período de cessão profética e, como vimos, eles próprios se colocam como sendo inferiores à Escritura, não fazendo parte dela. 

Bem fez Jerônimo, que os chamou pela primeira vez pelo nome que lhes cai bem: Apócrifos! 


Christo Nihil Praeponere - “A nada dar mais valor que a Cristo”


FONTE

¹ Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil, p. 29.

² Instituto Schaeffer de Teologia e Cultura. Aula 25, por Yago Martins.


BAPTISTA, Douglas. A Supremacia das Escrituras - A Inspirada, Inerrante e Infalível Palavra de Deus. Lições Bíblicas CPAD, 1º Trimestre de 2022.

BÍBLIA. Nova Edição Papal. Tradução pelos Missionários Capuchinhos, Lisboa.

MIGUEL, Gerson Beluci. Histórico da Bíblia. IBICM, 2016.

MILLER, Stephen M. & HUBER, Robert V. A Bíblia e Sua História – O Surgimento e o Impacto da Bíblia. Barueri, SP: SBB, 2006.

SILVA, Antônio Gilberto da. A Bíblia Através dos Séculos: A História e Formação do Livro dos livros. CPAD, 2019.

SILVA, Antônio Gilberto da. Bibliologia I. EETAD, 2020.

ZIBORDI, Ciro Sanches. Teologia Sistemática I. CETADEB.














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