CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO - CURSO BÍBLICO (LIÇÃO 03)

POR RODRIGO HENRIQUE

Nesta lição iremos aprender acerca do cânon do Antigo Testamento. Primeiramente, veremos qual é o significado do termo para depois analisarmos a quem compete definí-lo. Além disso, destacaremos os três fatores basilares no processo de canonização de um livro sagrado. Passemos, pois, ao estudo da Lição.

Caso não tenha lido a Lição anterior, clique aqui, pois seu conteúdo é indispensável para o entendimento da Lição atual.


ESBOÇO

0 - INTRODUÇÃO
1 - FATORES BASILARES
2 - QUEM DEFINE O CÂNON?
3 - CÂNON E SILÊNCIO PROFÉTICO 
4 - A BÍBLIA QUE JESUS USAVA


"A Escritura canônica, e somente ela, é a regra de fé" - Tomás de Aquino


INTRODUÇÃO

O cânon (ou cânone) bíblico não é derivado da vontade humana, mas é o reconhecimento humano dos livros que foram inspirados por Deus. Importa mencionar, portanto, que a Igreja recebe o cânon, mas não o define. Antes de adentrarmos mais afundo, é necessário, primeiramente, entendermos o significado do termo "cânon". Que quer ele dizer? Vejamos.

Em hebraico, "qãnnesh", tem o sentido de "vara de medir". Sua correspondente em grego, "kanõn", denota originalmente uma "vara reta" muito utilizada como régua ou como instrumento para medir. Observa-se que por transição comum no significado "aquilo que mede" passou a ser usado para "o que é medido", deste modo, por extensão, possui o sentido daquilo que é "conforme a medida ou conforme o padrão".

Assim, a canonicidade do texto sagrado nada mais é que o reconhecimento humano de sua origem e inspiração divina. 


1 - FATORES BASILARES

Existem três (3) fatores basilares na análise canônica de um livro, a saber: 

  • A Inspiração Divina; 
  • O Reconhecimento do Livro pelo povo de Deus; e
  • A Preservação do Livro por este mesmo povo.

"Nesse sentido, nenhum artigo de fé deve basear-se em documento não canônico, não importando o valor religioso desse texto. Os livros divinamente inspirados e autorizados são o único fundamento para a doutrina."¹ Deste modo a Bíblia é nossa única regra de fé e conduta. Mas a quem compete definir o cânon do Antigo Testamento?


2 - QUEM DEFINE O CÂNON?

Em sua carta aos romanos, o apóstolo Paulo descreve qual é a vantagem principal daquele que é judeu. Vejamos:

"Qual é, logo, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, em toda maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhe foram confiadas" - Romanos 3.1,2 

Neste sentido, destaca-se "o fato de que aos judeus, e a nenhuma nação, foi atribuído o privilégio singular, a honra máxima, de serem eles os guardiões dos oráculos de Deus, de toda a revelação especial que consistia não só em mandamentos, mas também em predições e promessas". ² Além disso, Paulo reforça o argumento dizendo que aos judeus israelitas "é a adoção de filhos, e a glória, e os concertos [ou alianças], e a lei, e o culto, e as promessas" - Romanos 9.4

Ora, os oráculos de Deus foram confiados a eles; "o Antigo Testamento foi escrito no idioma deles; Moisés e os profetas eram da nação deles, viveram entre eles, pregaram e escreveram principalmente  para e em benefício dos judeus. Os oráculos foram confiados a eles como depositários para eras e igrejas posteriores. 

O Antigo Testamento foi depositado em suas mãos, para ser preservado cuidadosamente puro e incorrupto, e assim transmitido à posteridade. Os judeus foram os bibliotecários dos cristãos; foi-lhes confiado aquele tesouro sagrado para o seu próprio uso e benefício em primeiro lugar, e em seguida para o benefício do mundo".³

Evidencia-se, portanto, que a Igreja não determina o cânon, mas o recebe dos judeus. A igreja não é mãe e nem magistrada, mas filha e ministra do cânon. Não é juíza e nem mestra da Escritura, mas sim sua serva e testemunha. Mostra-se, desta maneira, totalmente equivocada a posição católica que diz ser a Igreja Romana a detentora do cânon, pois aos judeus israelitas é que foram confiados os oráculos de Deus. 


3 - CÂNON E SILÊNCIO PROFÉTICO

Vimos na lição passada que a Bíblia Hebraica possui 22 livros. Alguns escritores fazem referência a 24 pois desagrupam o livro de Juízes e Rute e também o de Jeremias e Lamentações. Ou seja, quando estes livros estão unificados dizemos que são 22 o total dos livros, mas quando estão desagrupados, dizemos que são 24. 

Flávio Josefo, célebre historiador judeu, em seu famoso texto Contra Apião, no capítulo 1.1, diz o que se segue: "Pois não temos uma multidão inumerável de livros entre nós, que discordam entre si e que se contradizem mutuamente [como os gregos têm], mas somente vinte e dois livros, que são tidos, de forma justa, como divinos". 

Conforme destacamos, nosso Antigo Testamento (protestante) é idêntico à Bíblia Hebraica no que diz respeito ao seu conteúdo. No entanto, esta difere daquele no que diz respeito à divisão e organização. Como visto, a Escritura em hebraico está dividida em três (3) grandes grupos, a saber:

  • A Lei (ou Torá, em hebraico; e Pentateuco, em grego);
  • Os Profetas (ou Nevi'im); e
  • Os Escritos (ou Ketuvim).

É interessante destacar que Esdras, segundo o livro apócrifo de II Macabeus e outros escritos judaicos, fora quem presidiu a chamada Grande Sinagoga. Diz-se que naquela reunião os livros canônicos foram reconhecidos e agrupados segundo a tríplice divisão já destacada anteriormente. 

A Bíblia Hebraica é, portanto, o cânon definitivo do Antigo Testamento conforme recebido dos judeus. Os livros apócrifos, apesar de integrarem a LXX, não fazem parte da Bíblia Hebraica, mas são úteis para se entender a cultura da época. Isso se deve ao fato de que após a morte de Malaquias houve o que chamamos de "silêncio profético", isto é, não houve mais inspiração profética - até os tempos do Novo Testamento - para nenhum escrito que deva ser chamado Palavra de Deus.  

Ressalta-se que alguns denominam esse espaço de tempo em que cessaram-se os profetas de "período inter bíblico". Há um livro apócrifo que consta na Bíblia Católica, inclusive, que faz referência a este fato: "A opressão que caiu sobre Israel foi tal, que não houve igual desde a época em que tinham desaparecido os profetas" - I Macabeus 9.27

Da mesma forma o Talmud Babilônico diz na Yoma 9b que "depois que os últimos profetas - Ageu, Zacarias e Malaquias - morreram, o Espírito Divino da revelação profética se afastou de Israel". Neste sentido o rabino Samuel bar Inia destaca que "no Segundo Templo, faltavam cinco coisas que o Primeiro tinha, a saber, o fogo, a arca, o Urim e o Tumim, o óleo da unção e o Espírito Santo [de profecia]".

Também diz Flávio Josefo que "desde Artaxerxes (sucessor de Xerxes) até nossos dias, tudo tem sido registrado, mas não tem sido considerado digno do mesmo tipo de crédito dado aos escritos anteriores, porque a sucessão dos profetas cessou. Mas a fé que depositamos em nossos escritos é percebida através de nossa conduta; pois, apesar de ter-se passado tanto tempo, ninguém jamais ousou acrescentar coisa alguma a eles, nem tirar deles coisa alguma, nem alterar neles qualquer coisa que seja" - Contra Apião 1.41


4 - A BÍBLIA QUE JESUS USAVA

Jesus, em seu ministério, fez diversas citações da Escritura e nós podemos afirmar (com toda certeza) que Ele utilizava-se da Bíblia Hebraica. Isto fica evidente quando nosso Senhor fez menção à divisão tripartida adotada nesta versão: "E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos" - Lucas 24.44

Para deixarmos isto ainda mais claro, relembre que na lição anterior vimos que a Bíblia Hebraica se organiza de forma diferente e se inicia, portanto, com o livro de Gênesis, mas termina, no entanto, com o livro das Crônicas. Exemplificando, Jesus toma como exemplo o sangue do justo Abel (em Gênesis) e o de Zacarias, filho de Baraquias (em Crônicas):

"Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas; e a uns deles matareis e crucificareis; e a outros deles açoitareis nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade, para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar" - Mateus 23.34,35

Jesus estava dizendo algo parecido com o que dizemos hoje, quando citamos "desde o Gênesis a Apocalipse". Assim, nosso Senhor estava se referindo a todo sangue justo derramado desde Gênesis (o primeiro livro da Bíblia Hebraica) a Crônicas (o último livro). 

Evidentemente, a Bíblia que Jesus usava é, desta maneira, o mesmo Antigo Testamento (AT) que também usamos nos dias de hoje. Nossa classificação se difere apenas por causa da influência da LXX, que adota agrupamentos temáticos. 


CONCLUSÃO

Os livros canônicos são aqueles tidos conforme a medida e o padrão divino, pois foram inspirados pelo Espírito Santo de Deus. Assim, nenhum escrito fora do cânone possui autoridade doutrinária, não nos servindo de regra de fé e nem de prática. Só a Palavra de Deus é lâmpada para nossos pés e luz para nosso caminho.

Como vimos, a Igreja não definiu e nem tem competência para definir o cânon, pois os oráculos foram confiados ao povo judeu. Desta maneira, apenas recebemos o cânon por parte deles. Também aprendemos com esta lição que Jesus utilizava a Bíblia Hebraica - que possui os mesmos livros que o AT adotado pelos protestantes nos dias de hoje. 

Além disso, destacamos que após a morte do profeta Malaquias iniciou-se um período de cessão dos profetas. Logo, os apócrifos não devem ser aceitos como inspirados por Deus. Na próxima lição analisaremos algumas das heresias e absurdos que estão descritas nestes livros.


Christo Nihil Praeponere - “A nada dar mais valor que a Cristo”


FONTE

¹ GEISLER, Normam; NIX, William. Introdução Bíblica. SP: Vida, 1997, p. 75.

² HENDRIKSEN, William. Romanos. Página 146.

³ HENRY, Matthew. Comentário Bíblico do Novo Testamento - Atos a Apocalipse. CPAD, 2020, p. 322.


BAPTISTA, Douglas. A Supremacia das Escrituras - A Inspirada, Inerrante e Infalível Palavra de Deus. Lições Bíblicas CPAD, 1º Trimestre de 2022.

BÍBLIA. Bíblia Interlinear. Disponível em <https://biblehub.com/interlinear/>.

BÍBLIA. Nova Edição Papal. Tradução pelos Missionários Capuchinhos, Lisboa.

GEISLER, Normam. Teologia Sistemática - 1º Edição. CPAD, 2010.

MIGUEL, Gerson Beluci. Histórico da Bíblia. IBICM, 2016.

MILLER, Stephen M. & HUBER, Robert V. A Bíblia e Sua História – O Surgimento e o Impacto da Bíblia. Barueri, SP: SBB, 2006.

SILVA, Antônio Gilberto da. A Bíblia Através dos Séculos: A História e Formação do Livro dos livros. CPAD, 2019.

SILVA, Antônio Gilberto da. Bibliologia I. EETAD, 2020.

VAILATTI, Carlos Augusto. Antigo Testamento I. MIDE, 2023.

ZIBORDI, Ciro Sanches. Teologia Sistemática I. CETADEB.









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