BIBLIOLOGIA - CURSO BÍBLICO (LIÇÃO 2)

POR RODRIGO HENRIQUE



Como vimos na Lição passada, a Bíblia é como uma pequena biblioteca que contém 66 livros inspirados pelo Espírito Santo. Os livros, porém, estão divididos em 2 testamentos: o Antigo (com 39) e o Novo (com 27). Além disso, estão agrupados de forma temática, como veremos em estudo posterior. Antes, no entanto, é preciso entendermos o que é um testamento. 

ESBOÇO

1 - TESTAMENTO
2 - A BÍBLIA HEBRAICA 
3 - A SEPTUAGINTA (LXX)
4 - A BÍBLIA CATÓLICA


1 - TESTAMENTO

Em hebraico bíblico a palavra utilizada para testamento é "bə·rî·ṯî" (heb. בְּרִיתִ֖י) e significa "concerto, pacto ou aliança". A primeira ocorrência se dá em Gênesis cap. 6 e verso 18: "Mas contigo estabelecerei o meu pacto..."

A correspondente em grego é "diathēkē" (gr. διαθήκῃ) e significa "concerto, pacto, aliança, compromisso e testamento". Em ambos os casos, o sentido é o mesmo. No entanto, o que queremos dizer quando nos referimos ao Antigo ou ao Novo Testamento? 

Ora, respectivamente, ao concerto que Deus fez com Israel, por meio de Moisés, no Monte Sinai; e à uma nova aliança, que substituiu a anterior, concretizada através da morte e ressurreição de Cristo, nosso Senhor. Quanto a essas alianças, alguns cristãos criticam o fato de nos referirmos à elas como sendo a anterior uma "antiga ou velha" aliança e a posterior como sendo um "novo" pacto.

Verifica-se, porém, que esse tipo de crítica carece de fundamentação bíblica, vez que a própria Bíblia é que inaugura estes termos. Em uma de suas cartas aos Coríntios, por exemplo, o apóstolo Paulo faz referência ao "Velho Testamento" (II Co 3.14). Já o autor aos Hebreus se refere ao concerto estabelecido em Cristo como sendo um "Novo Testamento" (Hb 9.15), que fez do anterior algo "velho" (8.13). 

Além disso, destaca que o Novo Testamento é "melhor" (Hb 7.22) que o Antigo. Mas claro, não sem motivo. Enquanto este foi inaugurado com o sangue de bezerros e dos bodes (9.19), aquele fora estabelecido pelo sangue inocente de nosso Senhor e Salvador: Jesus. 

Faz-se necessário observar, porém, que a Escritura se refere como "Antiga" a aliança feita por meio de Moisés, isto é, ao ministério da Lei (que opera a morte). Trata-se de uma referência clara e específica; já o título de "Antigo Testamento" - como sendo uma referência a todos os livros da Bíblia Hebraica - foi empregado pela primeira vez na era patrística, por Tertuliano e Orígenes.


2 - A BÍBLIA HEBRAICA

O que os cristãos hoje chamam de Antigo Testamento é, para os judeus, a Bíblia Hebraica. Importa destacar que o povo judeu, de um modo geral, não recebeu Jesus como sendo o Messias; neste sentido, para eles, não existe uma Nova Aliança e tampouco consideram a Lei de Moisés como Antiga.

Denominam a Bíblia Hebraica, portanto, de TANAKH, que é um acrônimo de Torá (Lei), Nevi'im (Profetas) e Ketuvim (Escritos), isto é, a divisão tripartida da Escritura. Esta divisão foi mencionada por Jesus conforme registra o evangelho escrito por Lucas, cap. 24 e verso 44:

"E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos."

Ao dizer isto, Jesus estava se referindo a todos os livros da Bíblia Hebraica, desde o Gênesis ao livro do profeta Malaquias. Atente-se para o fato de que era muito comum se referir ao agrupamento dos Escritos pelo primeiro livro que o integra, isto é, os Salmos. Observe, também, que o Novo Testamento ainda não havia sido escrito nesta época. 

Seguindo adiante, importa mencionar que a disposição adotada pelos judeus contém 22 livros. Sim, você entendeu certo, são 22 livros. É possível que agora você esteja se questionando como nosso Antigo Testamento pode conter 39 livros já que a Escritura Hebraica possui apenas 22. Mas não se assuste! Respire e mantenha a calma. 

A diferença não está no conteúdo, pois o conteúdo da Bíblia Hebraica é o mesmo que temos em nosso Antigo Testamento hoje. A questão está na forma de classificarmos os livros. Por exemplo, enquanto nós classificamos I e II livro dos Reis, os judeus unificam ambos em apenas um livro, o Livro de Reis. O mesmo ocorre com I e II livro das Crônicas, também com o I e II livro de Samuel, e assim por diante.

Repito! O conteúdo é o mesmo, só há diferença na forma de classificarmos os livros. Observe:


Torá
Trata-se da Lei de Moisés e se refere aos primeiros 5 livros da Bíblia, que também são conhecidos como Pentateuco. Esta última palavra vem do grego "penta" (cinco) e "teukhos" (rolos de pergaminho). São eles:

  • Gênesis;
  • Êxodo;
  • Levítico; 
  • Números; e
  • Deuteronômio.

Nevi'im
Palavra hebraica que significa "Profetas". Trata-se do agrupamento que inclui os seguintes livros: 

  • Josué;
  • Juízes, unificado com o livro de Rute;
  • Samuel;
  • Reis;
  • Isaías;
  • Jeremias, unificado com o livro de Lamentações;
  • Ezequiel; 
  • Os Doze, que trata-se de uma unificação dos 12 livros dos profetas menores.

Ketuvim
Significa "Escritos" em hebraico. Trata-se da última das três divisões da Escritura hebraica. Nesta divisão encontramos:

  • Salmos; 
  • Provérbios; 
  • Jó;
  • Cantares;
  • Ester;
  • Eclesiastes; 
  • Daniel;
  • Esdras; 
  • Neemias; e
  • Crônicas.

Em síntese, o Antigo Testamento (AT) da Bíblia protestante possui, como já destacado anteriormente, o mesmo conteúdo da Bíblia Hebraica (Tanakh). A diferença se dá, única e exclusivamente, na forma de dispor e classificar os estes livros.

Vale destacar que classificações posteriores da Bíblia Hebraica separaram os livros de Juízes e Rute e também os de Jeremias e Lamentações. Desta forma, é possível que você encontre uma classificação diferente desta apresentada aqui, contendo 24 livros, e não 22.


3 - A SEPTUAGINTA (LXX)

Talvez você já tenha ouvido falar da famosa Septuaginta, a primeira tradução da Bíblia Hebraica para o idioma grego. Segundo relatos antigos, o rei Ptolomeu II, que fora o governante da Palestina e Egito durante os anos de 285 a 246 a.C., desejava, de forma enfática, que houvesse na biblioteca de sua capital, em Alexandria, uma cópia de cada livro existente no mundo.

Em seu reinado já havia conseguindo a façanha de reunir mais de 200 mil volumes, porém desejava aumentar este número para cerca de 500 mil exemplares. 

"Ansioso para possuir uma tradução dos livros judaicos, Ptolomeu ordenou que uma carta fosse escrita a Eleasar, o sumo sacerdote judeu em Jerusalém, pedindo que ele enviasse 72 dos seus melhores estudiosos para Alexandria, para que fosse feita uma tradução acurada"¹ do texto hebraico.

Alguns dos relatos posteriores dizem que a tradução foi realizada, no entanto, por 70 estudiosos. Daí o motivo desta versão ser chamada de "Septuaginta", que significa "setenta"; em algarismos romanos é LXX, que também significa "setenta".

Esta tradução foi muito utilizada pelos cristãos gentílicos da era apostólica. Ora, naquela época o idioma mais falado do mundo era o grego, assim como o inglês é o mais falado nos dias de hoje. Não foi sem motivo, portanto, que o Novo Testamento fora escrito em grego. Desta maneira não restam dúvidas de que a LXX foi de fundamental importância para a facilitação do acesso aos gentios do texto bíblico do Antigo Testamento.

Aliás, a classificação temática que temos em nossas bíblias hoje em dia segue a classificação desta versão. Ao invés da divisão tripartida da Bíblia Hebraica, adotamos a divisão temática que consiste em:

a) Livros da Lei; 
b) Livros Históricos;
c) Livros Poéticos; e
d) Livros Proféticos.

Destaca-se que a forma de classificação não é inspirada. Os livros - estes sim - foram inspirados, mas não a sua classificação dentro do cânone. Entretanto, há um problema com a Septuaginta.


O Problema
A grande questão, neste sentido, é que a Septuaginta possuía livros que nunca foram aceitos no cânone judaico. Estes livros são aqueles conhecidos como  "apócrifos" pela comunidade protestante. São eles:

  • I Esdras;
  • Judite;
  • Tobias; 
  • I, II, III e IV Macabeus;
  • Odes;
  • Sabedoria;
  • Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes);
  • Salmos de Salomão;
  • Baruque; e
  • Acréscimos no livro de Daniel.
Assim sendo, muitos cristãos dos primeiros séculos acabaram por aceitar (ou entender) que estes livros livros também fossem inspirados por Deus. No entanto, depois que o latim começou a se tornar o idioma mais falado do império romano, deixando o grego para trás, fez-se necessária uma nova tradução bíblica para esta língua.

Encarregado por tal empreitada, Jerônimo realizou uma tradução que também se tornou muito famosa: a Vulgata Latina.

“No início do quinto século, quando preparava sua grande tradução latina da Bíblia (a Vulgata), Jerônimo incluiu livros da Septuaginta que não estavam no cânon em hebraico. Mas, em prefácios separados, ele esclareceu que esses livros não eram canônicos; ele foi o primeiro a chamá-los de ‘apócrifos’.

Os prefácios de Jerônimo foram posteriormente retirados, e os livros apócrifos foram gradualmente incorporados ao cânon católico”². 

Jerônimo Realiza sua Tradução Para o Latim - Ilustração

Somente durante o período da Reforma Protestante que estes livros vieram a ter sua canonicidade seriamente questionada novamente.


4 - A BÍBLIA CATÓLICA

Diferentemente das versões bíblicas protestantes, a Bíblia Católica possui 73 livros. Há, assim, algumas particularidades. Por exemplo, os livros de I e II Samuel são chamados de I e II Livro dos Reis, de modo que têm, portanto, I, II, III e IV Livro dos Reis.

Os livros de Esdras e Neemias também são chamados, respectivamente, de I e II Esdras. Quanto aos livros, além de acréscimos em Daniel, possuem outros 7 a mais em todo o AT, a saber:

  • Tobias;
  • Judite;
  • I e II Macabeus;
  • Sabedoria;
  • Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes); e
  • Baruque.
Discutiremos algumas particularidades destes livros em lições posteriores e deixaremos claro o motivo de serem rejeitados pelos evangélicos.


CONCLUSÃO

Hoje aprendemos sobre os Testamentos. Também vimos um pouco acerca da história e sobre como a Septuaginta e a Vulgata foram traduções importantes para a cristandade. Mencionamos que os livros apócrifos nunca fizeram parte do cânon judaico que possui, como destacado, 22 livros. Além disso vimos que encontram-se na Bíblia Católica alguns dos livros apócrifos. 

Mas quem, no entanto, possuía e ainda possui o direito de definir o cânon escriturístico do AT? Por que nós rejeitamos os chamados livros apócrifos? O que significa o termo "deuterocanônico"? As respostas para estas e outras perguntas você encontrará em nossa próxima Lição.


Christo Nihil Praeponere - “A nada dar mais valor que a Cristo”


FONTE

¹ MILLER, Stephen M. & HUBER, Robert V. A Bíblia e Sua História – O Surgimento e o Impacto da Bíblia. Página 49.

² Ibidem, página 58.


BAPTISTA, Douglas. A Supremacia das Escrituras - A Inspirada, Inerrante e Infalível Palavra de Deus. Lições Bíblicas CPAD, 1º Trimestre de 2022.

BÍBLIA. Bíblia Interlinear. Disponível em <https://biblehub.com/interlinear/>.

BÍBLIA. Nova Edição Papal. Tradução pelos Missionários Capuchinhos, Lisboa.

MIGUEL, Gerson Beluci. Histórico da Bíblia. IBICM, 2016.

MILLER, Stephen M. & HUBER, Robert V. A Bíblia e Sua História – O Surgimento e o Impacto da Bíblia. Barueri, SP: SBB, 2006.

SILVA, Antônio Gilberto da. A Bíblia Através dos Séculos: A História e Formação do Livro dos livros. CPAD, 2019.

SILVA, Antônio Gilberto da. Bibliologia I. EETAD, 2020.

VAILATTI, Carlos Augusto. Antigo Testamento I. MIDE, 2023.

ZIBORDI, Ciro Sanches. Teologia Sistemática I. CETADEB.


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