CANTAREI "ALELUIA(S)" COM O DICIONÁRIO NA MÃO!

 Por Marco Sousa

Homem pensativo. Refletindo sobre algo.

 "Louvai ao SENHOR. Louvai, servos do SENHOR, louvai o nome do SENHOR" - Salmos 113:1

(Louvai ao SENHOR = Aleluia)


Recentemente certo pregador evangélico afirmou que o cristão bíblico deve evitar a pronúncia do termo "aleluias" (no plural), pelo fato da etimologia da palavra “aleluia” (no singular), em hebraico, significar “Louvai ao Senhor”. O uso do termo no plural, segundo aquele distinto pregador, desconecta o cristão do objetivo original de sua adoração, além de incorrer no (suposto) erro da inexistência do termo “aleluias” no dicionário da língua portuguesa. Ao tentar imputar à cristandade leiga a aura de ignorância bíblica e cultural, alguns influenciadores digitais, adeptos do academicismo religioso, apegam-se (de forma irredutível) a determinadas correntes de pensamento, nem sempre adequadas ao contexto eclesiástico. No caso supracitado, o dicionário da língua portuguesa tornou-se a ferramenta de combate aos “pobres irmãos” que cantam “aleluias ao Senhor”, todavia o pregador cometeu o erro crasso de desconsiderar outros fatores históricos relacionados ao próprio cristianismo e suas produções culturais como um todo. Um dos problemas recorrentes das vertentes evangélicas (principalmente em tempos de Internet, likes e seguidores) é a perda do senso de realidade, ao embrenhar-se em uma tese qualquer e transitar nela "mato adentro", como um caçador que corre atrás da presa que seguiu pelo lado oposto.


Os linguistas e gramáticos afirmam que as línguas estão em constante transformação natural e a própria história cultural dos povos denota isto. Novos termos são criados naturalmente, para atender as necessidades (também naturais) da evolução comunicativa do ser humano. Um exemplo notável disto foi a recente incorporação do termo "Internet" nos dicionários da língua portuguesa, pouco depois do advento da rede mundial de computadores. Não se podem confundir as mudanças naturais na língua de uma sociedade, com as imposições políticas de um grupo birrento e minoritário, que tenta impor sua ideologia a qualquer custo.


A cristandade sempre criou seus signos comunicativos, como forma de complementar a mensagem que se pretende transmitir ao mundo e à própria comunidade cristã, aliás, desde que a igreja primitiva passou a utilizar a figura do peixe como símbolo comunicativo, ela adquiriu também uma linguagem própria, que continuou em pleno movimento nos séculos seguintes, independente das convenções gramaticais ou dos sínodos eclesiásticos (ou farisaicos) mundo afora. A rocha é Cristo, embora isto seja incabível nos melhores dicionários da norma culta. Nas convenções gerais da língua portuguesa o bode é simplesmente o “esposo da cabrita”, mas no dicionário espiritual da igreja, o bode é o indivíduo que Cristo arrancará do meio das suas ovelhas e o colocará do lado esquerdo, no momento do seu julgamento final. Cabe mencionar que os melhores gramáticos da língua portuguesa (na atualidade) utilizam o termo “louco” para classificar o cristão que afirma estar esperando ansiosamente o retorno de seu Senhor e salvador. O cristão segue a Cristo, o gramático segue os paradigmas científicos do mundo divorciado de Deus.


Em seu livro “Os Números na Bíblia - Moisés os Números e Nós” o Dr. Christian Chen nos leva a voltar ao tempo em que o próprio Deus de Israel começou a elaborar a sua pedagogia no meio do seu povo, quando o alfabeto hebraico primitivo (literalmente desenhado) surgiu no meio dos hebreus, como meio de transmissão das escrituras sagradas. Ainda hoje vários missionários pelo mundo, ao evangelizar povos não alcançados pela mensagem da cruz, acabam criando o alfabeto e a escrita das tribos cujas línguas são ágrafas. Cabe mencionar que houve um tempo na Europa da idade média, em que era proibido traduzir a Bíblia Sagrada para a língua materna dos povos. Apenas o latim era aceito pela igreja católica e os camponeses permaneciam analfabetos e sem acesso ao texto bíblico, por não falarem o latim. A bíblia traduzida possibilitou o surgimento da escola e da alfabetização. Na Inglaterra o analfabetismo prevaleceu até o surgimento da King James Bible (a versão autorizada do Rei Tiago) que foi impressa no ano de 1611. Até hoje aquele texto traduzido por equivalência formal (método de transcrição literal) é considerado por muitos eruditos o melhor texto bíblico já traduzido do original para outra língua, por expressar de forma contundente (como um espelho) as ideias do texto original. Aqui está o segredo: Para gerar o texto fiel da King James os eruditos praticamente recriaram a língua inglesa e sua norma culta, de forma que ela viesse a expressar aquilo que Deus havia dito no texto sagrado.


Outro fator desconsiderado pelo preletor citado no início deste texto é o uso natural da licença poética. De acordo com o dicionário Houaiss, a expressão “Licença Poética” é definida como a “liberdade de o escritor utilizar construções, prosódias, ortografias, sintaxes não conformes às regras, ao uso habitual, para atingir seus objetivos de expressão”. Os melhores especialistas em língua portuguesa sempre concordaram com o uso da licença poética nas composições musicais, roteiros artísticos e outros tipos de produções culturais e religiosas. Ironicamente, alguns influenciadores digitais evangélicos, dentre aqueles que ignoram que a cristandade também possui pleno direito ao uso da licença poética, passaram a exigir o engessamento das produções cristãs, querendo também que tais produções sejam passadas pelo crivo de um dicionário que não foi escrito para fins eclesiásticos e que também não contém a linguagem do reino.


Os compositores e tradutores da Harpa Cristã brasileira fizeram um belíssimo trabalho, mas para que isto fosse possível se utilizaram da licença poética em larga escala, na edição daquele famoso hinário. Imagine o tradutor brasileiro tentando inserir rimas, de forma a estabelecer um conjunto musical perfeito (harmonia, melodia e ritmo) e que transmita a mesma mensagem da canção original cantada em outra língua. Qualquer linguista concordará que seria impossível traduzir os hinos da harpa sem inserir ou criar expressões que tornassem o contexto inteligível e harmonioso simultaneamente. É para isto que serve a licença poética. O famoso pastor, compositor e tradutor Adriano Nobre e outros catedráticos irmãos em Cristo, no início do século XX utilizaram o termo “aleluias” (no plural) em alguns louvores da harpa cristã, cujo linguajar rebuscado denota o nível cultural de seus compositores e tradutores.


Os dicionários da língua portuguesa do final do século XIX e inicio do século XX, não traziam algumas das centenas de palavras que são utilizadas ainda hoje por católicos, protestantes tradicionais e pentecostais, todavia estes termos eclesiásticos foram inseridos nos dicionários que hoje utilizamos, devido às mudanças naturais que as igrejas trouxeram à sociedade. Um dos mais famosos dicionários brasileiros impresso no final do século XIX, já trazia uma bela explicação quanto ao uso cristão do termo hebraico “alleluía” (no singular) e inclusive cita o termo “alleluias” (no plural) no final da explicação. Portanto as alegações do pregador citado no inicio deste texto perdem o seu valor diante da documentação histórica (Vide o termo “alleluia” na página 137 - seção ALL - ► Baixar o dicionário - 1890).


Finalmente precisamos avisar aos “judaizantes” que a liturgia cristã ocidental (principalmente no que diz respeito aos cânticos de adoração) segue um padrão linguístico herdado do antigo latim eclesiástico. Se os “eruditos” desejam extinguir o termo “aleluias” (no plural) do meio da igreja de Cristo devem também praticar a sensatez de perguntar a quem proclama as “aleluias” se o adorador está seguindo a liturgia universal do latim eclesiástico ou se o crente pretende falar hebraico no culto, ou ainda se ele está usando a sua licença poética. São três as condicionantes a serem utilizadas por um cristão que queira aleluiar com erudição. O problema de se usar dicionários escritos por ímpios para nortear a religião é que eles mudam todos os anos; alguns verbetes entram e outros saem. A palavra de Deus nunca muda e o caráter do homem de Deus sempre acompanha as escrituras sagradas e jamais os dicionários da língua portuguesa, por mais nobres que sejam seus autores e suas produções.


Apesar de a maioria dos dicionários da língua portuguesa não trabalharem uma parte considerável das palavras que tiveram a sua origem na liturgia eclesiástica latina, tal linguagem permanece viva, tanto no meio católico, quanto no meio protestante brasileiro e independe de dicionários. Geralmente os dicionários trazem o termo “aleluias” significando apenas “direitos de estolas sacerdotais” (um tipo de “oferta” que os fiéis davam aos padres), todavia o dicionário Priberam foi direto e objetivo em sua descrição do termo, trazendo-o como plural de aleluia e como tal ele pode significar simplesmente um conjunto de “louvores alegres” que o adorador está oferecendo a Deus, como milhares de evangélicos brasileiros o fazem, leigamente, porém cientes do significado daquilo que estão fazendo, que é justamente o significado atribuído a tal liturgia por alguns dicionários da língua portuguesa, inclusive o tradicional e atual “Priberam” (►Confira aqui).


Aleluiaremos ao Senhor, afinal a igreja vive para aleluiar! Alguns cantam “aleluia”, outros cantam “aleluias” e outros “haleluia”, talvez a maioria nem saiba da existência do verbo aleluiar, mas a igreja de Cristo passará pelos portais celestiais, não porque aprendeu a falar hebraico ou porque tenha aprendido a abrasileirar os novos termos da norma culta, mas porque foi remida e teve as suas vestes lavadas no sangue do cordeiro!


ALELUIAS AO SENHOR!!!

Glória ao Pai, Glória ao Filho e Glória ao Espírito Santo!


BIBLIOGRAFIA


1 - Bíblia Sagrada - Almeida Revista e Corrigida Fiel - 2011

2 - Cambi,  Franco -“A história da Pedagogia” -Editora UNESP - 2002

3 - "aleluias", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/aleluias.

4 -Houaiss, Antonio -Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa- 2001

5 - Chen, Christian -“Os Números na Bíblia - Moisés os Números e Nós”- Editora Betânia - 1986.

6 - Diccionario da lingua portugueza - Oitava Edição – 1890 (Copiado da biblioteca do senado federal brasileiro) – (Disponível aqui).

7 - Harpa Cristã em Português / Inglês.

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